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Distrito Federal

“Modelos de forças-tarefas não podem ser corpos isolados e estranhos ao MP”

Por Márcio Chaer, Maurício Cardoso e Danilo Vital

São três os princípios institucionais do Ministério Público consagrados pela Constituição Federal de 1988: unidade, indivisibilidade e independência funcional. Para o comandante da instituição, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o modelo das forças-tarefa que consagrou o MPF diante do grande público em anos recentes não teve um bom resultado porque quebrou esses mandamentos. Sem coordenação, elas tornaram-se corpos isolados e estranhos à própria PGR.

“Esse modelo foi e tem sido um aprendizado. Era preciso começar. Foi uma ideia trazida de similares atuações no Direito norte-americano. No Brasil ele não teve um bom resultado pela atomização”, aponta o procurador-geral , em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, concedida exatamente uma semana antes de sua força-tarefa mais famosa, a da “lava jato”, completar seis anos.

A solução é a criação, já em andamento, da Unidade Nacional de Enfrentamento à Macrocriminalidade. Segundo Aras, trata-se de um órgão que “concentrará dentro de si todas as informações, todo o compartilhamento de dados, a utilização dos recursos orçamentários e financeiros, de maneira que essas forças-tarefas deixem de ser corpos isolados, estranhos ao próprio Ministério Público, para integrar a instituição una e indivisível que é o Ministério Público Brasileiro, respeitados os seus âmbitos de atuação”.

A ideia de congregar entidades é também estendida para os outros enfoques de atuação do MPF no combate à criminalidade. Augusto Aras reconhece que a experiência com a delação premiada no Brasil está em aperfeiçoamento e admite emprestar do Tribunal de Contas da União os métodos de cálculo das lesões causadas pelos delatores para calibrar as negociações. E espera também a unificação de balcões para os acordos de leniência, com participação de AGU, CGU, TCU, CVM e outras.

“O Ministério Público hoje é uma instituição tão presente na República quanto qualquer dos Poderes”, diz o PGR, ao afirmar o compromisso da instituição com o desenvolvimento nacional. Ele ainda entende que política institucional “é necessária sempre” e defende a atuação política de seus membros, vedada pela Constituição de 1988, mas permitida àqueles que, como ele próprio, ingressou antes.

“O Ministério Público também tem o dever de fazer parte da tomada das decisões políticas. Hoje na nossa gestão nós tentamos fazer participação na tomada das decisões políticas, como instituição, porque induz políticas públicas e mantém o seu caráter de fiscalização e controle de todos os aspectos da vida pública nacional. Mas tem direito um promotor que entrou agora de fazer parte da política partidária? Eu acho que em algum momento é preciso, sim”, opina.

Leia a entrevista:

ConJur — As delações da colaboração premiada surgiram como instrumento poderoso de combate à corrupção, mas com experiências muito ruins, que ameaçam a continuidade do uso desse instrumento. O senhor acha que a possibilidade de repactuação ou de retificação de delações tortas pode salvar esse instrumento?
Augusto Aras —
É muito importante lembrar que ainda estamos aprendendo a utilizar o instituto da delação premiada. É importante lembrar também que a criminalidade evoluiu tecnologicamente, se sofisticou, se estruturou e se organizou como se tomasse de empréstimo os mesmos procedimentos do mundo empresarial. É preciso que as instituições que combatem a criminalidade também se adaptem aos novos tempos. A adoção do instituto da delação, que tem alguma similitude com o plea bargain do Direito americano — mas não é igual —, é uma tentativa de fazer face de enfrentamento dessa macrocriminalidade. Ora, nós estamos aprendendo.

Por exemplo, nós temos as primeiras delações com multas econômicas baixíssimas, que certamente não repararam nem o erário, nem serviram para a prevenção de novos ilícitos. Uma determinada emissora de TV outro dia fez um levantamento daqueles primeiros delatores. Todos foram premiados, todos estão gozando a vida e o dinheiro de que se apropriaram do povo, mas não podemos simplesmente condenar o Ministério Público ou a magistratura por essas delações, porque foi uma primeira experiência.

ConJur — E como foi a evolução desde então?
Augusto Aras —
É preciso corrigir os vícios. Para isso, o Tribunal de Contas da União tem estabelecido métodos de cálculo das lesões causadas por esses delatores para efeito de fazer a devida apelação, e nós, do Ministério Público brasileiro, também temos buscado adotar esses modelos de cálculo para que nós não façamos delações vis. Outra coisa: há distorções. E uma delas estamos vivendo na delação do Cabral. É preciso enfrentar a delação do Cabral. O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro detectou as nossas ferramentas desenvolvidas em laboratórios de informática que não havia nenhuma novidade, não trouxe nada de novo para gozar dos benefícios de uma delação, nada de novo, nem sequer ele inovou nos delatados — nada.

Nós aqui na PGR usamos das mesmas ferramentas tecnológicas e reafirmamos aquilo que o Rio de Janeiro, por do Ministério Público Federal, a “lava jato” do Rio de Janeiro, já tinha constatado. Nada de novo no front. Por isso que nós nos manifestamos pela não homologação da delação feita pela Polícia Federal.

Até reconhecemos que a Polícia Federal possa ter agido com a melhor das intenções, só que sabemos também que ela não dispõe dessas ferramentas tecnológicas que dispomos.

ConJur — Como funciona essa ferramenta?
Augusto Aras —
Hoje sabemos o que tem, o que há de delação, o dia em que houve delação, quem delatou, quem foi delatado, os fatos, e é coisa muito rápida, é uma ferramenta desenvolvida pelos nossos laboratórios. Assim, nós estamos aparelhados para enfrentar as delações, mas é um aprendizado.

Por exemplo, o doutor Vladimir Aras, procurador regional da República, está colaborando com a “lava jato”, embora a imprensa diga que não está.

Ele está preparando, a meu pedido juntamente com outros colegas, um manual de delação premiada. Ele também me encaminhou uma sugestão para que o Ministério Público, por decreto presidencial, para que a nossa secretaria de cooperação internacional seja a gestora de todos os processos internacionais que tenham conexão com a “lava jato”. Dessa forma, pretendemos usar toda a nossa expertise e dos colegas.

ConJur — Esse modelo de investigação das forças-tarefas tem produzido bons resultados?
Augusto Aras —
Também foi e tem sido um aprendizado. Era preciso começar. Foi uma ideia trazida de similares atuações no Direito norte-americano. No Brasil, ele não teve um bom resultado pela atomização.

Nós já temos a minuta preparada de um órgão que vai se chamar Unidade Nacional de Enfrentamento à Macrocriminalidade. Alguns colegas preferem “enfrentamento à corrupção”, como um nome mais forte, mas a macrocriminalidade é maior do que a corrupção.

Esse órgão nacional, que haverá de ser dirigido pelo Procurador-Geral da República, que vai indicar subprocuradores gerais da República, concentrará dentro de si todas as informações, todo o compartilhamento de dados, a utilização dos recursos orçamentários e financeiros, de maneira que essas forças-tarefas deixem de ser corpos isolados, estranhos ao próprio Ministério Público, para integrar a instituição una e indivisível, que é o Ministério Público brasileiro, respeitados os seus âmbitos de atuação.

ConJur — O senhor lançou, no seu discurso de posse, a ideia da unificação de balcões para os acordos de leniência. Como é que o senhor vê a interação com o Tribunal de Contas da União, que tem saído do papel de fiscalizador para assumir também o papel de valoração de danos ao erário? Não está havendo uma superposição de papeis com o Ministério Público?
Augusto Aras —
Nós precisamos evitar superposições. Elas levam normalmente a hipertrofias indesejadas para as instituições, para os órgãos públicos. Mas, a colaboração entre órgãos públicos que têm o dever de controlar e fiscalizar, especialmente a administração pública, pode ser harmonizada.

Já estamos em um caminho bem avançado aqui no Ministério Público. Temos, inclusive, uma minuta, bem elaborada pela subprocuradora geral da República, doutora Samantha Chantal, para discussão juntamente com todos os interessados (a AGU, a CGU, o Tribunal de Contas, a CVM), tudo isso com a participação, ainda que não de forma operacional, da presidência do Supremo Tribunal Federal e do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, ministro Dias Toffoli e ministro Noronha.

Esse é um grupo de trabalho que nós constituímos para montar um órgão que seja capaz de funcionar como uma unidade nacional de acordo de leniência. E assim evitarmos que determinado empresário ou empresa celebrem um acordo de leniência em um determinado órgão, e ainda assim venha a falir, porque um outro órgão não aceitou a leniência e inviabilizou a continuidade da empresa.

O princípio da preservação da empresa tem matriz constitucional, ainda que indireta, e precisa ser preservado, porque são as empresas que promovem a circulação de riqueza, geram emprego, recolhimento de tributos.

Creio que até abril teremos a formatação desta unidade nacional de leniência unindo esses órgãos federais, que podem depois ser estendidos para as unidades estaduais, de maneira a atender a toda a economia nacional.

ConJur — O Ministério Público tem um compromisso com o desenvolvimento nacional?
Augusto Aras —
Perfeitamente. A entrega que foi feita pelo Constituinte de 1988 envolve toda a vida nacional. Imagine que o Ministério Público é um órgão autônomo. Não integra o rol dos Poderes da República. Os artigos 127, 128 e 129 colocam o Ministério Público na vida nacional, praticamente da concepção, do nascedouro, até o processo sucessório na via econômica, na via ambiental, nos direitos e garantias fundamentais, na produção, consumo e distribuição de alimentos, remédios, armas.

O Ministério Público hoje é uma instituição tão presente na República quanto qualquer dos Poderes. O Ministério Público nem faz leis, nem fiscaliza outros Poderes, no sentido do feito pelo Legislativo.

Mas, de alguma maneira, tem o dever de fiscalizar e controlar todas as questões que lhe são acenadas na Constituição, e o fato de nós não termos um quadro de pessoal e recursos materiais suficientes para cuidar de tudo não significa dizer que nós não possamos eleger nossas prioridades.

ConJur — Quem elege as prioridades são as câmaras de coordenação do MP?
Augusto Aras —
Cada uma daquelas sete câmaras elege anualmente as suas prioridades. A 3ª Câmara, que é a da ordem econômica do consumidor, tem 17 prioridades. Cada câmara tem sua prioridade porque nós somos agentes políticos. Qual é a diferença de um agente político para um servidor público?

O agente político é aquele que pode escolher os meios para atingir o fim que há de ser sempre do interesse público. Um exemplo clássico: eu não tenho como fiscalizar se o pãozinho que eu comi agora de manhã tem bromato de potássio, que, enquanto não cozido no pão é um elemento cancerígeno, e quando misturado com pão e levado ao forno desaparece do processo físico ou químico.

Essa verificação eu não tenho condições de fazer. Mas sabemos que há órgãos do Estado brasileiro, do Ministério da Saúde, que devem fiscalizar isso.

Como nós não podemos estar em todos os lugares, nós esperamos que o Estado brasileiro, através dos seus órgãos competentes, promova essa fiscalização.

Estamos aqui para induzir políticas públicas de fiscalização e controle, na medida em que as demandas surjam e nós possamos estabelecer as prioridades para cuidar desse interesse público, que é a nossa vocação.

ConJur — Comparado ao Ministério Público pré-1988, hoje ele é, no dizer de um brasilianista, a maior novidade no Judiciário do Brasil, tal é o poder que alcançou. Não há o risco do abuso quando se vê a tentativa de criação daquela fundo milionário do MPF com dinheiro da Petrobras?
Augusto Aras —
Temos a nova Lei do Abuso de Autoridade. Mesmo assim, temos notícia que abuso de autoridade continua sendo praticado. Temos todo um sistema punitivo para os agentes públicos. O que nós temos de fazer é estarmos atentos.

Em uma sociedade que hoje se manifesta de forma tão ostensiva, e muitas vezes até de forma inconveniente através de agentes públicos, do Ministério Público, da magistratura, das redes sociais, essa sociedade em rede precisa exercer fiscalização até mesmo dos seus próprios membros.

E nós precisamos, sim, saber que o agente público deve compreender que ele tem deveres que não se confundem com os da pessoa privada.

Eu reputo, por exemplo, que é extremamente nocivo — até porque na minha geração isso até poderia configurar crime contra a Segurança Nacional — que o agente público vá além das fronteiras do Brasil e ataque o país, ataque suas autoridades, porque isso não se vê em lugar nenhum.

Não que isso importe em violação à liberdade de expressão, mas isso faz parte dos seus deveres institucionais de zelo para a Constituição.

As pessoas se esquecem muito da doutrina clássica. O cidadão tem o direito de ser julgado ou acusado por alguém que ele não tenha nenhuma desconfiança. Hoje nós vemos juízes e promotores brigando por processos, e até alguns dizem: eu não tenho amor por processo.

Nós precisamos voltar à velha doutrina clássica, em que o cidadão que eu vou acusar ou o cidadão que o magistrado vai julgar tem que confiar no seu julgador sem precisar de debates e mais debates acerca do impedimento, da suspensão.

Este é um dos mais importantes princípios do magistrado e do Ministério Público, e hoje nós vemos ambos se agarrando a processos como se fossem os donos, quando a doutrina clássica era outra.

Eu preciso merecer a confiança de quem eu vou acusar, para não ser injusto, persecutório ou mesmo leniente.

ConJur — O membro do Ministério Público pode ou deve fazer política?
Augusto Aras —
Política institucional é necessária sempre. Inclusive a política crítica de apontar equívocos, sugerir inovações tecnológicas ou inovações que possam melhorar a prestação ministerial.

A partidária está vedada na Constituição Federal para aqueles que ingressaram após 1988. Particularmente, sou anterior a 1988, e todos aqueles que, como eu, ingressaram antes aqui nesta casa optaram pela advocacia e pela atividade política partidária.

Mas, por mim, nunca tive atividade partidária de nenhuma natureza, e isso não significa dizer que eu algum dia deixei de me comunicar com todos os segmentos da sociedade.

Fui procurador regional eleitoral na Bahia, e esse cargo nos ensina o respeito que devemos ter pela política. A política é necessária, e devemos nos relacionar com ela com respeito, com dignidade, do vereador mais humilde dos rincões do Brasil até as autoridades mais relevantes do país.

Devemos tratar a todos aqueles que devem receber do Ministério Público o cuidado devido como cidadãos e que contribuem pagando os impostos.

Dessa forma, não me causa nenhuma dificuldade dizer que eu poderia fazer política partidária, mas nunca o tive. Mas outros colegas de outros estados ocuparam, exerceram mandatos.

O eminente promotor de Justiça de São Paulo, Fernando Capez, foi deputado; Ibsen Pinheiro foi relator da Constituinte; o Demóstenes Torres foi senador da República quantos mandatos? Ou seja, fazer atividade partidária é normal para aqueles que ingressaram antes da Constituição, daqueles que estavam e estão ainda hoje autorizados.

ConJur — O senhor defenderia uma atividade partidária pós-88, na contemporaneidade?
Augusto Aras —
Sim. O Ministério Público também tem o dever de fazer parte da tomada das decisões políticas. Hoje, na nossa gestão, tentamos fazer participação na tomada das decisões políticas como instituição, porque induz políticas públicas e mantém o caráter de fiscalização e controle de todos os aspectos da vida pública nacional.

Mas tem direito um promotor que entrou agora de fazer parte da política partidária? Acho que em algum momento é preciso, sim, porque temos no Congresso Nacional a representação de policiais civis e militares, temos um Poder Judiciário altamente fortalecido como Poder, que é o Supremo Tribunal Federal, que defende evidentemente a constitucionalidade de aspectos políticos e institucionais não partidários, mas políticos e institucionais.

E o Ministério Público Brasileiro carece hoje de uma representação no Congresso. Creio que é um tema a ser debatido mais amiúde. Por enquanto sou aquele que tem um compromisso com a Constituição em uma das mãos e não quero abandoná-la.

A Constituição diz que não pode o membro que ingressou após 1988 exercer atividade política partidária, e me mantenho fiel a este ditame da lei maior.

ConJur — A grande novidade da sua nota de nomeação é a opção pelo caminho do meio. Como é que o senhor examina essa polarização que divide hoje o meio jurídico brasileiro?
Augusto Aras —
Nesses 250 anos de forte influência judaico greco-cristã, o caminho do meio tem sido o mais seguro para que a harmonia se faça em todas as dimensões na sociedade.

O caminho do meio não significa não compreender os extremos, mas buscar entre os extremos uma solução que atenda à multiplicidade, atenda à diversidade, para que o pluralismo político se realize, no plano cultural o multiculturalismo também se realize, porque o Direito tem o seu papel de promover harmonia e paz sociais.

ConJur — O senhor acha que essa polarização será superada em breve?
Augusto Aras —
A humanidade, no processo civilizatório respectivo, sempre esteve passando por ciclos. O ciclo corrente é da polarização e, dessa forma, nós esperamos que haja o aprimoramento dos meios de comunicação que têm promovido a polarização.

É preciso que haja uma responsabilidade social, especialmente das instituições da sociedade civil, e aqui eu deposito uma confiança imensa na mídia, especialmente na imprensa tradicional, porque não é possível mais se comparar a imprensa tradicional, que sempre teve um papel importante na formação da opinião, ao blogueiro de qualquer natureza, sem responsabilidade com o que informa — ou melhor, com o que desinforma.

Eu diria que vivemos um momento difícil, porque é um momento de desinformação. Aposto que a mídia tradicional promova a informação e combata assim a própria desinformação, que parece ser a nota da contemporaneidade.

FONTE: SITE CONJUR

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